sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Saborosas inverdades


Que mal faz uma mentirinha que nos deixa bem? Aquelas pequenas criações que compõem a vida real preenchendo o cotidiano de forma mais interessante. Aumentar uma história que parecia banal, apenas para prender a atenção dos ouvintes. Seduzi-los estirando as partes mais engraçadas e omitindo as mais, desesperadamente, tediosas. 
Criativas inverdades deixam a vida mais açucarada, mais temperada, com aquelas gordurinhas que toda pele de frango tostadinha e bem salgadinha traz consigo. Como seria sem graça a vida se não a incrementássemos, com tonalidades diversas, cada momento tragicômico vivenciado. Se não inseríssemos personagens patéticos e inusitados. Invencionices deliciosas que não fazem mal a ninguém, pelo contrário, ajudam a descontrair a face, relaxar o corpo e passar o tempo.
Em dias opacos, podemos escondê-los por detrás de cores vibrantes. Despertando nossos convivas para o colorido de histórias imaginadas. No final do dia, as pessoas que estão ao nosso redor acreditarão tanto no colorido do nosso estado de espírito que até nós passaremos a deixar o preto e branco do começo do dia para trás.
Ah, mentirinhas que nos acompanham fazendo dessa trajetória ainda mais encantadora. Não há nada de ruim em ser autêntico a todo o momento. Mas de vez em quando ao nos deixarmos levar por pequenas sedutoras inverdades, mundos nunca dantes navegados virão à tona e nos surpreenderemos com o que a criatividade é capaz de desenvolver. Talvez seja esse o dom dos inventores de histórias que nos carregam pelo inusitado de seus mundos.
Eles nos seduzem com suas mentiras grandiosas, deliciosas de serem deglutidas. E a vida vai ganhando em histórias, em caminhos por nós ainda não visitados fisicamente, mas densamente transitado em palavras. Inverdades gostosas de se passarem os olhos ou de serem ouvidas. Por vezes nos confundimos por onde estamos pisando: se no mundo real ou no ilusório. Que mal há nisso? Nem sabemos, ao certo, em que parte da vida nos misturamos aos sonhos!?

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Vem!

imagem retirada do google

Me dá um abraço e fica aqui ao meu lado. Prometo que não mordo. Que não arranco pedaço. De mim, só receberá dizeres doces. Cadencias de palavras leves e serenas, sem ruídos.
Me dá um abraço e fica aqui ao meu lado. Prometo andar pela estrada contigo. Falando e respondendo de forma a não te deixar enfastiado. As nossas falas conduzirão a uma melodia perfeita em que não haverá o que se jogar fora. Será um diálogo fluido, sem o temor que o silêncio nos acompanhe, pois nos encontraremos inclusive nele.
Me dá um abraço e fica aqui ao meu lado. Quero sentir o seu cheiro. Cafungá-lo por inteiro. Sentir o quentinho do seu corpo próximo. Ver sua barriga subir e descer, conforme você respira. Saber que não passamos de bichos indefesos quando estamos próximos.
Agora já está aqui. Presente, perto e querendo contato. Depois de te haver conquistado. Sabe que todas as promessas acima apresentadas estão sujeitas a mudanças daqui pra frente. Esse é o truque da sedução, promessas de mansidão, mas não há cotidiano que dê conta de tamanha paixão.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Tchau!

foto retirada do google

Virar a página. Tarefa difícil. Deixar aquela paixão fresca ser transformada em memória algumas semanas depois. Euforia prematura proporcionada pelo reencontro diluiu-se na dificuldade de se revelar. Medo de se descobrir volúvel, medo de se machucar. Medo, tantos medos. Nesse temor se desfez o laço. E a simples aventura de se permitir se mostrar foi solapada pela segurança da solidão.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Repartições do eu

imagem retirada do google

se pudesse aguentar mais um minuto,
antes de dizer tudo o que penso.
muitas das minhas palavras não seriam despejadas
e pouco do que sou seria revelado.

se pudesse postergar decisões,
hoje não estaria a olhar para o construído
não teria tijolos nas mãos
não sedimentaria os que passaram por mim aos milhões.

se pudesse refazer os desvios
não seria agora assim:
 errante, mal-acabada, desconsertada
simplesmente, dada.

não há como rebobinar o já dito;
não há como diluir em água as escolhas e desenhar, no lugar, outras;
não há como endireitar caminhos tortos.
há sim de se desfolhar e se perceber:
nua, crua, gente... Humana.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Brechas


Há de deixar entrar, aquele que quiser. Quem sabe assim, você pare de se espantar com as miudezas do cotidiano. Aquelas frases deslocadas em um diálogo, em que você acreditava ser uma indireta em relação a sua maneira de ser. Não se aperceba em tudo. Apenas deixe estar, sem muito interpretar, tudo e todos.

Mergulhe naquele que te olhou de modo desesperançado, porque achava difícil um aceno seu ser concretizado. Ele observava-a. Atraiu-se por algum ponto que apenas ele podia perceber. Somente conseguiu alcançá-la por meio de uma fenda, que ainda não havia se fechado.

Descomplique-se, um pouco. És mundana. És faladora. És debochada. És devoradora de doces e salgados. Não se esparrame no chão da solidão. Garimpe os outros e se permita ser vasculhada.

Deixe esse hermetismo bíblico. Seja mais prosaica, mais interiorana. Diálogo sossegado no canto do ouvido. Café no bule, apenas aguardando um dedo de prosa.

Na veia, aplique autenticidade. Sem a falsidade do botox. Sem os tubos de maquiagem para disfarçar o que é seu, somente seu. Sua pele, sua alma, sua humildade. Não coloque salto, você não gosta. Não preencha aquilo que não te faz. Seduza com a honestidade de um sorriso.

Deixe-se apodrecer e se misturar ao solo, para fertilizá-lo. Nesse processo de morrer, nutrir, renascer e deixar que os outros se aproximem é que emergem as histórias, as paisagens, os beijos, os abraços, as despedidas, as dores, os afagos... E o prosseguir da vida.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

É de se esperar que...

Imagem retirada do google


a vida não faça tanto sentido;
o afeto parta e reparta você em vários;
pessoas se agreguem e depois se desmanchem;
o sono se transforme em insônia;
os barcos voem nos sonhos;
as coisas se signifiquem, se resignifiquem e depois deixem de significar;
os corpos se juntem e se separem;
a comida acabe e a fome venha;
a sede se esvaia quando se bebe água;
círculos se formem diariamente;
chegada a hora, você deixe de esperar.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Avoados, uni-vos!

foto retirada do google

Tudo é desculpa para a distração. Gracejos do vento. O canto dos pássaros. Histórias imaginadas que percorrem ruas fantásticas. Repentes inteiros recortados. Há grandeza em quem vive nesse mundo interior. Pouco compreendido por aqueles que vivem no mundo exterior: atentos a todos os sinais, a todas as palavras, inseridos na realidade a pleno vapor. Estes seres viciados em cotidiano repelem os avoados. Tiram sarro de seus   dizeres desconexos, pois bons desatentos são esses que, ainda que o bonde esteja andando, tentam se sentar na janelinha. Inventaram uma sigla para descrevê-los, mas me recuso a pronunciá-la. A verdade é que aqueles que voam conseguem sobreviver sem categorias, pois da desatenção se extraem belas poesias.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Os ASPONE

ilustração retirada do google


Para ser um ASPONE, não precisarás ter grandes méritos acadêmicos, nem um currículo repleto de referências na labuta diária em alguma empresa ou comércio ou escritório. Bastará apenas saber se relacionar com quem tem poder, puxar o saco desse alguém. Fazê-lo acreditar em sua importância perante a sociedade. Ser agradável.
Se fores uma loira bonita e malhada, já alcançarás pontos necessários para galgares tal função. Para ti, bastará sorrir em dias de debates em audiências públicas, carregando papéis, para o teu chefe retribuir-lhe com um sorriso e alguma atenção.
Se fores filho ou até parente ou amigo de um figurão, já estarás a salvo em alguma repartição. Porém, se a natureza não o dotou de tais atributos físicos, nem relações de sangue ou fraternal, terás de investir no verbo, para inflar o ego daquele para quem trabalharás. Assim, serás o ASPONE-MOR. Aquele que por méritos próprios conseguiu o título de puxa-saco fundamental.
Assim se observa muitos setores do nosso país arcaico e, ainda hoje, ao caminhar por alguns corredores da Administração Pública encontram-se os emblemáticos Assessores de Porra Nenhuma – ASPONE. Não sei como até o momento não recebi via Facebook  o dia comemorativo de tal profissão tão consagrada em nossa nação.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Balança do desejo

ilustração retirada do google

Não transparecer paixão exacerbada para não assustar.
Quando se mostra por completo o desejo,
O outro pode se espantar.
Daí a tênue linha entre revelar e esconder.

O inconsciente prega peças.
Rejeitam-se amores de R$ 1,99:
Aqueles que vêm fácil, sem muita sonegação.
Por outro lado, segue atraindo-se por amores de R$ 1.000.000,00:
Aqueles que de tão difíceis são inalcançáveis, porque não aceitam negociação.

- Aprecio-te, desejo-te, amo-te.
Cale-se! Fale apenas para o seu estômago tais palavras,
Porque pode despertar o pavão alheio
E afastar a alma que ainda não se conhece por inteiro.

Para não causar espanto, vá gotejando, aos poucos, em olhares seus desejos.
Não se sabe o quanto se pode revelar, aí está a arte de amar.
No cotidiano bambo do bailar.
Tenta-se apertar sem muito sufocar.
E soltar o parceiro delicadamente para a dança continuar.

Mas de tudo o que foi dito,
Nesse poema esquisito.
Não há matemática para explicar
O simples começo de se interessar
Por aquele alguém que te transformará.

domingo, 14 de outubro de 2012

Ah, aquela cidade de concreto

imagem retirada do google

           O formato geográfico da cidade onde nasceu é uma metáfora que explica bem a identidade daquele lugar. Desde o primeiro trator que percorreu o espaço escolhido para se iniciar a construção da cidade, esta não deixara de ser um local de chegadas e partidas. Lá qualquer endereço sintetiza um ponto cardeal. É como se a rosa dos ventos penetrasse os cidadãos que ali habitam e fizesse com que esses falassem, a partir de orientações cartográficas, os endereços de onde pretendem ir. Poderia se dizer que o GPS é um instrumento dispensável por lá.
A cidade vista bem lá do alto se transforma em um aeroplano. O satélite capta a imagem e projeta a personalidade da cidade: espaço de convergência de pessoas de diferentes regiões do país e, ao mesmo tempo, lugar de dispersão de seus habitantes provisórios e os de nascença. Os filhos dessa cidade acabam tendo um pé em um Estado e o outro, noutra região. Seriam todos filhos de Antônio Brasileiro, como diz a canção de Chico Buarque. E nessa mistura de sotaques, acabou-se por podar os regionalismos de cada lugar e a fala dos que lá residem foi se modelando feito barro, limando-se os acentuados regionalismos do norte, sul, leste e oeste do país, tornando-se um português que é a mistura de todos os sotaques atenuados.
Seus prédios parecem caixinhas de fósforos dispostas de forma diversa em cada quadrado delimitador de uma quadra. Muitos visitantes assim que desembarcam e percorrem a cidade lhe dizem: “Todos os lugares parecem se repetir. Muitas vezes nem sabemos reconhecer em que quadra estamos. Não há nada de peculiar entre um endereço e outro”. Pelo menos essa era a primeira impressão, mas depois de algum tempo, os repetidos retângulos habitacionais passavam a ser vistos a partir das peculiaridades e sutilezas de cada canto.
O eixo que recorta as asas do lugar acaba sendo uma auto-estrada em que se chega e que se vai embora. Esse lugar cartesiano não é para todos, é preciso de alguns ingredientes para se adaptar ao incomum das avenidas largas e espaços setorizados. As ruas identificadas por letras e números, ao invés de nomes, traz estranhamento aos forasteiros. A falta de pedestres pelas calçadas é para alguns, não acostumados com essa lógica de não-ocupação do espaço público, sinônimo de solidão. Para parte desses recém-chegados a falta de transito humano vai dilacerando seus dias e fazendo com que o banzo da terra natal instale-se, para então se retirarem da cidade repleta de balões e tesourinhas, dizendo-lhe: “Adeus, para cá não volto mais”. Mas o que faz outros ficarem feito ela?
A quadra em que ela cresceu era uma das menos urbanizadas na época de sua infância. Tinha apenas quatro blocos e uma entrada incomum, para o padrão urbanístico da cidade, pois a entrada dava-se pela comercial. E logo na rua de acesso havia uma banquinha de jornais amarelada, onde ela comprava todos os dias “xaxá de banana”, uma balinha com um macaquinho ilustrado na embalagem, e folheava gibis.
Cada quadra, daquela cidade, era habitada por servidores públicos de distintas instituições que compunham o Estado. Tinha-se a quadra dos funcionários do Banco do Brasil, a dos militares, a dos ministros dos Tribunais e assim por diante. A quadra dela era a dos professores da Universidade pública local. Por isso, desde a infância percebia que muitos de seus amigos tinham pais com sotaques de diferentes partes do mundo e de diversas regiões do país, assim como seus pais. Era como se aquele espaço se tornasse um caldeirão cultural. A cada visita que fazia a um de seus amigos, uma nova realidade cultural se apresentava aos seus olhos curiosos.
As áreas verdes da sua quadra eram transformadas em um playground sem parquinho. Naquela época, a terra vermelha, a grama e o concreto dos blocos que faziam parte da arquitetura da quadra eram os espaços ocupados pelas crianças. Diariamente, a zoada tomava conta do lugar: bete, pique esconde, pique-bandeira, polícia e ladrão, amarelinha, pique-pilastra, bola de gude, dentre tantas outras brincadeiras faziam a festa das crianças.
Era um período em que havia os “bate-bolas”: Um grupo de jovens de classe média que saia pelas quadras com pedras dentro de meias de tecido para bater nas crianças que viam pela frente. Assim que alguns de seus colegas viam esses grupos gritavam: “Olha lá os bate-bolas”. Todos corriam desesperados para suas casas e só voltavam a descer depois de algum tempo. Hoje não mais se ouve falar em “bate-bolas”, mas ainda se vê algumas crianças debaixo dos blocos, nem tanto como antes. Talvez seja a síndrome da internet, que vem transformando as crianças em sedentários precoces.
Nessa cidade os períodos de seca fazem os narizes escorrer sangue e os lábios racharem. A paisagem também é transformada nessa estação do ano. A grama deixa o seu verde característico e se torna bege. As folhas das árvores caem dando espaço aos seus galhos contorcidos, em contraposição aos ipês que florescem nessa mesma época, pincelando diferentes tons vibrantes no espaço descolorido. A poeira da terra avermelhada sobe, misturada com a poluição, dando ao ar um tom marrom, o que faz o sol ficar mais dourado quando o dia vai deixando de ser dia. A respiração pode falhar nessa época, fazendo com que os pouco adaptados desmaiem ou sintam dores fortes de cabeça.
De alguns amigos e parentes de fora, ela sempre escuta: “Você mora na ilha da fantasia”. Mas basta parar em um semáforo, para essa frase cair por terra e se perceber que o país desigual também é observado naquele lugar. Não é por nada mais, nada menos que as cidades satélites absorvem os trabalhadores do espaço carente de transporte público. Esses satélites habitacionais vão contornando aquele aeroplano e mostrando que o índice de desenvolvimento humano na cidade de concreto está muito aquém do ideal. É só observar a cidade satélite que cresceu em torno do lixão da cidade.
De fantasia só lhe restou as máscaras que dão identidade aos “mensaleiros”. Esses tentam dar um nó jurídico na Suprema Corte para saírem à procura das ilhas da impunidade. Talvez a ilha que tantos apregoam seja mais um reflexo da imagem de políticos pouco afeitos ao espírito público, que a cada gestão da cidade, mostram o que não deve ser feito no jogo político: pagamentos de propinas realizados por empresas privadas para vencerem licitações; inúmeros cargos comissionados distribuídos entre apadrinhados políticos; patrimônio pessoal desses gestores públicos muito superior ao que seus salários podem comportar. Patrimonialismo na veia, alguns diriam. Clientelismo, também. Fisiologismo latente. Dinheiro espalhado em cuecas, bolsas, meias.
Cá está ela tecendo essa história no saguão de espera do aeroporto. Agora é ela quem se despede, sem dizer adeus, e sim um até logo àquela cidade que a recorta, não tendo data para retornar. Ela tão afeita aos espaços públicos habitados e crítica dessa cidade tão dependente de carros, com transporte público precário. Mas, ainda assim, uma cidade que lhe permitiu se desvendar aos poucos na vastidão de seus vazios, nos silêncios de seus gramados. Ela que conhece todos os cantos e satélites daquele quadrado instalado no centro do seu país. Nesse momento, ela se retirará da cena cartesiana, do concreto da arquitetura daquele espaço, para se perder e se reencontrar em outros lugares.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Reviravolta

imagem retirada do google

Escolhas não são teleguiadas.
Para o desatino dos que creem em linhas já traçadas,
Inexiste destino.
O acaso promove o encontro.

Para curar a dor de amar,
Outros amores são bem-vindos,
Porque do abismo se sai assim,
Dizendo sim a novas chances.

Abrir as portas é promover contato.
Mas de quando em vez,
Se você se der conta
De que um amor passado te embriagou de modo singular.

Porque não voltar algumas páginas
E indagar àquele que te sedou de amor a conta-gotas:
Se eu disser que me arrependo, você me dá uma nova chance?

De duas, uma:
Ou se esfacelará diante de um não.
Ou sedimentará uma vida no ato de recuar.

Na balança das escolhas,
Diante da possibilidade de um sim:
Tudo vale a pena, se a alma não é pequena.

sábado, 6 de outubro de 2012

Com o rei na barriga, somos avessos ao avesso

imagem retirada do google



Colocar pontos de interrogação em posicionamentos firmes não é tarefa fácil. Destroçar verdades quase intocáveis é deixar o interlocutor sem chão. Apontar caminhos pode ser visto como presunção. Debater de forma crua, sem muitos floreios, desperta a agressividade alheia por um lado, e por outro pode acuar os convivas. No decorrer da caminhada em que essa ausência de questionamentos ocorre, vamos consolidando o laço com aqueles que pensam de maneira semelhante. E, quando nos damos conta, estamos a debater em círculos, reafirmando nossos posicionamentos sobre tudo e todos. Isso porque é mais confortável. Sair da caixa dos comuns é “perigoso”, pois a divergência pode corroer o ego.
Com o tempo passando a galope, parece que corremos mais e mais para alcançar a linha de chegada do pensamento uniforme. Sem perguntarmos os porquês de estarmos correndo naquela direção.  A crítica destrinchadora passou a ser artigo de luxo, para quem quer ouvi-la. Ao nos filiarmos a determinadas formas de ver o mundo, passamos a rejeitar qualquer forma de argumento que possa desestabilizar aqueles conceitos cultivados no decorrer de uma vida. Com isso nos amalgamamos em esferas do pensar, sem indagar. Pasteurizamo-nos em grupos marteladamente esquematizados.
Em tempos de julgamentos e eleições decisivos na República (das Bananas? Ou já podemos dizer Federativa do Brasil?), vemos que quem diverge, em certa medida, é escorraçado. O Mensalão está aí. Traduz uma forma de fazer política no Brasil. Uma política mercadológica em que a ideologia é comprada por dinheiro vivo. Não nos esqueçamos da compra de votos, durante o governo Fernando Henrique Cardoso também, em que foram negociados inúmeros votos de parlamentares a favor da reeleição para cargos do Poder Executivo – Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito. Pena que naquele período, tínhamos um “Engavetador” Geral da República, que fazia vistas grossas.
Atualmente, nessa trajetória da formação de um senso crítico, creio eu, mais apurado, estamos vendo um julgamento em que a punição a esse tipo de fazer política está sendo realizado. Ou seja, quem sabe a partir daí haja uma política menos de compra e venda de votos e mais uma política do debate de opiniões que reflita a complexidade desse país continental.  Como observamos, a compra de votos permeia todos os partidos, do PT ao PSDB. Depois do julgamento do mensalão do PT, que venham os demais: mensalão do PSDB de MG, o mensalão do DEM do DF, Daniel Dantas e por aí vai.
Desfazer essa forma de fazer política é consolidar a democracia, para tanto uma Reforma Política se faz necessária. O país merece. Nós merecemos. E que o debate venha para problematizar esse modo “toma lá, dá cá” de se fazer política.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Desburocratização do sentir


Não se vive a termo, nem a prazo.
Sem risco, não há como dar passos.
Condicionar sentimentos faz disparar contradições.
Com ações e poucas promessas, enamora-se a dois, a três, a sós.

Rasgar cláusulas de contratos e dissolvê-las em rio.
Turbulências vêm e vão.
E porque não.
Sem tantas palavras e mais afagos se acham soluções para os laços.

Fazer da memória porta-retratos,
Em que se condensam todos os momentos sem muito cronometrá-los.
Seguir a caminhada com menos aspereza
De se ter pouco peso e carregar mais vivencias.

Leveza, o fundamento para se enlaçar.
Amor, um dos temperos.
Silêncio, página em branco para saber escutar.
Palavras, para ser naquele que te ouve.

Deixar ir.
Deixar vir.
Eis o pêndulo que traduz o movimento de quem sabe se entregar.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Mundo troncho pra chuchu e eu tô nele


No momento em que alguém vem despejar no meu ouvido papos caviar quando, na verdade, o papo está mais pra feijão com arroz e ovo frito, eu já vou logo desviando o eixo da conversa e temperando o suposto caviar alheio com muita pimenta de cheiro das baratinhas mesmo. Por quê? Oras, chega uma altura da existência humana em que qualquer cidadão comum apenas quer se relacionar com os outros de igual pra igual, sem muitas firulas, nem muitos frufrus. A ideia é conversar sem que as pessoas coloquem o carro na frente de quem anda de jegue, nem o rolex na frente de quem usa relógio comprado na Feira do Paraguai.
Alguém que comece uma frase afirmando que “a trans-subjetividade do mundo contemporâneo leva o homem líquido aos descaminhos da relação com a alteridade”, é digno de um gruindo: Hum? Essa frase é de tirar o apetite de qualquer cidadão “normal”. Depois ouvir citações de Lacan, Foucault, Nietzsche e de quebra Guattari e Deleuze, a cada 4 minutos, é de partir o coração de qualquer pessoa que quer dialogar sem se sentir em uma tese de mestrado repleta de citações nas notas de rodapé.
Ainda por cima, ter de ouvir críticas e instruções de como ter uma vida saudável e uma velhice tranquila. Ser discriminada por não comer tudo 100% orgânico e ouvir que eu sou uma capitalista selvagem só porque eu gosto de Mc Donalds, não dispenso uma coca cola e não leio todos os rótulos de alimentos que compro. Além disso, ouvir que a sociedade está pior porque existem pessoas como eu, que se graduaram numa universidade de qualidade, e ainda assim continuam financiando as empresas de junk food, que são responsáveis pela obesidade mundial. Afinal, eu sou a responsável pela escolha alheia? Será que os adultos do século XXI se tornaram retardados e precisam ser tutelados pelos cidadãos da geração saúde que "sabem" o que é bom para todos?
Sem dúvida, esses cidadãos bons de coração são uns dos maiores totalitários dos dias atuais: os naturebas e os intelectualóides. Ah, sem contar os religiosos nazistas de situação. Isso porque quem não se adéqua à crença ariana desses espécimes evoluídos tá no sal. Vai viver as amarguras no inferno das almas pecaminosas de Dante. Tudo se subverteu atualmente na lógica do amor trazida pelo cristianismo. As religiões se transformaram em sinônimo de intolerância aos que não pensam igual aos dogmas pregados. A liberdade de crença deve ser silenciada para não ser transformada em violência.
Da mesma forma, vejo o sujeito que esbraveja o socialismo de forma tão anacrônica. Afirmando que, na luta entre o capital e o trabalho, o empregado sempre é explorado. Mas quando se olha de perto o microcosmo do sujeito que se estapeia com quem pensa diferente dele, lá se observa a empregada doméstica do Che Guevara new generation sem ter a carteira assinada.
Será que eu preciso me internar em alguma clínica psiquiátrica pra me sentir mais incluída nesse mundo pós-moderno?  Ah, quer saber... Sou da seita do iê-iê-iê: “E que tudo mais vá pro inferno.” Salve Erasmo Carlos!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Monólogo da paixão


Tu arranhaste-me por completo, deixaste marcas em cada canto e foste sem bater a porta. Estraçalhada fiquei ao me ver absorvida por um sentimento descontínuo. Desses que provocam dor, sem nem se ver escorrer sangue. Calor sem estar perto de fogo.
Tu embaralhaste tudo o que estava aqui dentro tão perfeitamente organizado. Eu ávida por percorrer as linhas cartesianas que eu supunha a vida me oferecer. Por que me atropelaste e me deixaste torta? Criei tantos mundos contigo, mas eles não tinham fundos. Me vi num beco beirando a fétida desordem dos embriagados.
Quando me olhei no espelho, me dei conta e gritei:
- Chega de drama, para de falar na segunda pessoa! Acaba com essa pieguice desmedida! Segue tua vida e não consulte livros de autoajuda, pois eles muito atrapalham. E tenho dito!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Receita para virar balão

Pegue um cacto.
Agora sinta os espinhos.
Fure-se por todos os lados.
Deixe o sangue jorrar.
Sinta-se esvaziando.
Em seguida, espere os furos cicatrizarem.
Abra um corte e retire os ossos.
Costure-o. 
Restará apenas a pele e os globos oculares.
Peça a alguém para enchê-la (o) com hélio.
Flutue sem destino até um pássaro te bicar e você cair.
Quem sabe:
 no mar,
ou na mata,
 ou no asfalto.
Ou apenas no buraco escondido do seu imaginário.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Perguntas escalafobéticas e um pedido

Trocando em miúdos, pouco se sabe sobre as ordenações e os rumos dos passos.
Por que você é preto, ele é branco, seus olhos puxados e minhas ancas largas?
Sou feia, você bonito. Por quê?
É pra dar sentido à beleza que os feios transitam por aí?
Há regras cabalísticas para a definição do mocinho e do bandido? Ou são jurídicas as tais normas?
O moço gosta da vida na balança e o bando gosta dela fora de quadrados?
Quanto de ruim tem dentro de cada um?
Um pouco lá, muito cá?
Quantas geringonças juntadas dão sentido a isso tudo?
Um carro ali, uma cama aqui, um ar condicionado e um umidificador também. Talvez mais coisas? Ou nenhuma coisa?
Quem te falou que para sorrir é preciso ler e ver e gritar? Quem sabe nada disso sirva pra tanto?
Sem muito me explicar, só uma coisa eu lhe peço:
Deixa a secura fazer com que seja possível sua pele ser desenhada por suas unhas.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

No vácuo do tempo

Os segundos ou se dilatam ou se contraem: aqui está uma afirmação irremediável. Naquele momento único, em que você se deleita ao se sentar no trono e ao deixar afogar as necessidades básicas. Tempos sagrados de satisfação e emagrecimento sem esforço. Apenas alguns plocts-plocts de alívio, sem pressão alguma, e gratidão por seu organismo estar funcionando a pleno vapor. Nessa circunstância de desfrute, os segundos voam. Mas basta esperar o elevador descer do sexto andar até o térreo, enquanto caminha em sua direção o vizinho mais bunda-mole de todos os tempos, para os segundos andarem a passos lesados. Como eu queria ser o relógio para ajustar segundos plocts, estirando-os e segundos bundas-moles, comprimindo-os.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Deslocamento


Por quantas vezes me percebi distante num lugar familiar?
Por quantas vezes não me identifiquei com aquela que até um segundo atrás convivia?
Lágrimas inúteis que não recarregam a alma dos fora do tempo.
Corroí-me no anonimato da mesa e da massa.
Afetos diluídos, inutilidades do pensar.
Sabedora de nada e nada sabedora.
Por quantas vezes o desespero transformou-se em eco cá dentro do peito
E de tão oco se fez silêncio.
No impreenchível vazio de um dia de poucas nuvens,
de nenhuma palavra,
de cinco segundos antes de cumprir o ritual diário.
O estar no mundo não estando se fez presente.
Manhã seguinte, ao acordar, descobri que tudo era um sintoma da corriqueira TPM.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Raio-X de um ato da Sra. P


Vinte e dois de agosto:
Cinta-liga, calcinha enfiada e chicote.
Encenação, por mais um dia.
Sra. P adentrou o quarto, para bater o ponto.
Porém,
Os aparatos do seu trabalho foram-lhe arrancados.
Tornaram-se armas na mão do cliente.
Os dentes dele deformaram sua pele.
Cadela e escrota, gritos bradados pelo corpulento homem.
Dor e humilhação se emolduraram em ira na alma da Sra. P.
A visão dela se escureceu:
Várias facadas.
A Sra. P desfigurava o indivíduo.
Os machucados de uma vida transbordaram em um ato.
Flashes de sangue.
Seu ser gritava em estocadas.
Desmaiou.
Polícia, prisão em flagrante, inquérito.
A ampla defesa e o contraditório dissolveram-se diante da profissão da Sra. P.
Legítima defesa? Não existia para ela.
Enjaulada agora está.
O cliente resumiu-se a pó.
Na lápide, lê-se:
Homem público, pai, marido: um exemplo.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

O passo irreversível

Chegar ao quarto e se deparar com aquela pessoa que passou tantos anos ao seu lado, com o rosto sem o colorido natural e a boca roxa, era a tradução de que aquilo que você menos imaginava estava ocorrendo. De uma hora para a outra, seu coração acelerou e veio a imagem de que aquela cena poderia ser ilusória, poderia ser um conto tenebroso em que o sujeito deitado na cama era apenas um dos personagens.
Mas, não. Aquele era um dos slides da sua história. Você não tinha o controle sobre aquilo tudo. O desespero se apoderou de você. Como um ato reflexo, você saiu correndo e procurou o telefone do corpo de bombeiros. Eles vieram, levaram o ser amado para o hospital e em três horas a notícia chegou. Ele estava morto. O corpo antes quente, agora se encontrava frio e teria de enterrá-lo.
No mesmo instante, uma série de pensamentos veio à sua mente. O adeus não dito. Os retratos dos momentos vividos projetados pela memória como um filme. Algumas palavras truncadas ditas por aquele ser fantástico se misturavam em seu pensamento. O sujeito que ensinou a seus filhos tantas coisas, delimitando em traços de humanidade o que eles haviam se transformado, foi-se de repente. De dia para o outro, a presença dele foi transformada em ausência. O vazio impreenchível, pela não possibilidade de um próximo abraço e de uma próxima palavra, foi se contorcendo em saudade.
A noite anterior, com ele a reclamar nos papos rotineiros da cozinha, transbordou-se em lembranças no dia seguinte em que não mais poderia ouvi-lo e vê-lo. Perguntas não paravam de chegar aos seus pensamentos, sem respostas. O limite da vida. Deparar-se com o passo definitivo. O ponto final de uma história. Saber que a vida corre como se fosse areia entre os dedos. Não há como impedir que ela se vá. Mas os resquícios dos grãos de areia retidos na pele ficam. Esses grãos são a memória do ser amado que se consolida feito um amalgama entre aqueles que continuam e preenchem-se de recordações.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

De prosa em prosa. De verso em verso.

Juntar palavras: eis um dos remédios possíveis para alma.
Em alguns casos, prosas e versos saem amargando.
Em outros, vêm como água.
Desanuviam o bicho de dentro.
Remexem umas coisas cá guardadas em caixas que nem conhecia há muito.
Aparecem em ruído aqui, em música ali, em imagem acolá.
Quando menos espero, o vômito sai.
Feito grito, feito alívio, feito algo que nem sei explicar.
Algumas sementes vêm da razão, outras da intuição.
Sempre misturadas em batedeira ou liquidificador.
É nessa geleia que as histórias vão se conectando.



domingo, 22 de julho de 2012

Ilusão

Sem chão se vai ao longe.
Se a metragem lhe dá a distância da queda,
Esquecem-se os números.
Permanece-se ali, viajando.
Sem eira, nem beira.
Deixa estar.
Segue flutuando em rota sem paradeiro.
Camufla-se em nuvens.
De repente, você escorrega sem querer.
Começa a cair em queda livre,
Mas quase beirando o solo,
Reluta em não se estatelar duro e sólido.
Volta ao lírico.
Deixa o vento soprar, a poeira grudar, a chuva molhar.
Noite chega e você se torna brilho
Se escondendo entre os pontos do céu.
Não quer que satélite algum o rastreie,
Para não ser despejado da morada serena
E se transformar em mais um tropeçador de chão ao alcançar o asfalto.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Recheios Paulatinos

Foi de um jeito descuidado que tudo começou. Um convite, uma aceitação e, enfim, uma das noites mais agradáveis da vida de Jonas. Ao menos, creio eu. Aquele sujeito mestiço, com o ouvido apurado e o raciocínio rápido. Conseguia compor músicas como ninguém. Sabia contemplar um lugar apenas se sentando em um canto e, de preferência, próximo a uma mesa cheia de pessoas.  Quietava o facho no pedaço do bar em que havia mais fregueses, durante horas a fio, sem dizer uma palavra, apenas escutava o que os outros falavam. Tinha obsessão por observar como a conversa alheia dava voltas e mais voltas entre assuntos distintos. Permitia-se ficar de butuca no papo pro ar dos outros só para satisfazer essa avidez por perceber a fluidez das palavras em conjunto com as tonalidades das falas.
Ele achava interessante como muitas das conversas apenas tinham começo; não chegavam ao meio, muito menos, ao fim. Na verdade, eram poucas as que conseguiam se desenrolar trilhando um elo racional. A união das falas gerava uma melodia tresloucada. Desencadeava-se de forma sinuosa. Como se a prosa fizesse parte de uma rua repleta de ziguezagues. Muitas vezes, as palavras vinham ágeis; outras mais leves e serenas; algumas misturadas com risos largos; além daquelas que traziam consigo julgamentos do tipo: Como isso pôde ocorrer? Dito em tom grave.
Os assuntos se entrecortavam por mais que, em alguns momentos, Jonas tivesse a curiosidade de que determinado ponto da conversa caminhasse até o final. Mas nada, as pessoas não permitiam. Sempre tinha um alguém a chamar o papo pra si e tirar o assunto interessante da roda. O pobre do Jonas se frustrava constantemente. Quase sempre a conversa era desviada por alguém desinteressante. O tal ser repugnante conseguia retirar a cadência do assunto fantástico, que provavelmente teria um final bastante inusitado, e introduzir cenas do cotidiano com dramas banais. Porém, só depois fui descobrir esses detalhes da vida de Jonas. 
Certo dia, eu fui a um bar qualquer. Mas, para Jonas, aquele mesmo bar fazia parte de sua família. Era o seu lugar cativo. Sentei-me em uma mesa distante de todas as outras e vi um sujeito rindo sozinho, enquanto a mesa ao seu lado gargalhava. Percebi que ele estava a prestar atenção no que duas moças e dois rapazes diziam. 
Eu sou daquelas pessoas que se sentam distante das outras, para ter o maior panorama possível do espaço onde me encontro. Isso porque tenho por hobby interpretar os gestos e as expressões corporais dos outros. É um gosto invasivo, eu sei. Sinto que sou a expectadora da vida alheia, sem ser convidada para tanto, nem pagar ingresso pra isso. Ver as roupas dos outros, seus hábitos ao comer, seus tiques, suas manias. Sempre me divirto apenas observando o caminhar e a forma de se portar à mesa desses cidadãos. No que diz respeito ao que estão dizendo, já não tenho muito interesse, porque eu gosto mesmo é de tentar adivinhar. Por isso, me sento distante. Muitas vezes, com um lápis na mão e um bloco de notas. Passo a construir histórias apenas vendo, sem escutar.
Naquele dia, fiquei assistindo àquele par de mesas dialogando sem se falarem. Uma mesa era efusiva, com quatro pessoas; outra solitária, com um homem divertindo-se em silêncio com a conversa daqueles. Na mesa do par de casais, a conversa corria solta sobre a mesa e as mãos e os pés deslizavam por toda a parte por debaixo dos panos. Fidelidade era algo que os sujeitos ali não possuíam. Explico-me melhor: enquanto as mãos dos casais percorriam delicadamente as mãos de seus pares em cima da mesa, o contato dos pés com as pernas dos casais trocados representava a lascívia. Já a mesa do sujeito solitário, que estava na companhia de um copo de chopp, um papel e uma caneta, parecia tranquilizar-se com as falas dos casais, sem ver as cenas capturadas por mim.
Tive o impulso de ir ao encontro daquele ser solitário. Um sentimento de solidariedade me direcionou a isso. Afinal, aquele furtador de falas deveria ter a noção do que ocorria naquela mesa falante. Algo de detetive subversivo implantou-se em mim. Aquilo que o sujeito solitário escutava tinha de ser complemento com os recortes de imagens vistos pelos meus olhos. Saí da minha mesa, peguei meu prato de macarrão e fui me apresentar ao sujeito solitário.
- Olá! Posso me sentar?
Ele me olhou assustado e perguntou:
- Pode sim. Nos conhecemos de algum lugar?
- Não. Estava ali do outro lado e observei, não sei se estou equivocada, que você ouvia a conversa das pessoas aí de trás. – Afirmei, um pouco sem jeito.
- Sim, tenho mania de ouvir a conversa dos outros. Mas, na maior parte das vezes, não presto atenção aos assuntos, somente me detenho às tonalidades das vozes, a densidade das palavras. Não sei se você compreende. É que sou músico. Me interesso pela dramaticidade das falas, sua leveza. Observo mais a composição, do que o que está sendo realmente dito.
- Compreendo sim. Então você não prestou atenção ao que eles estavam falando? – Perguntei.
- Dessa vez não. Só me interesso pelo assunto quando a pessoa que domina a conversa consegue me capturar pelo tema, mas sempre tem alguém que interrompe a fala daquele que conseguiu prender a minha atenção. Daí acabo só observando mesmo a cadência das falas. Isso me ajuda a compor melodias e a escrever letras de canções.
- Interessante. Então, o meu propósito de chegar até você, para falar sobre o que vi à distância da mesa dos casais, foi pelo ralo. – Afirmei, com vontade de que ele se interessasse em saber o que eu tinha observado. Alguns segundos se passaram e ele perguntou curioso:
- O que você viu?
Repeti a ele o que já lhes disse sobre o que ocorria na mesa ao lado e ele enfático falou:
- Isso dá um samba dos bons! 
Jonas começou a desenvolver a letra e eu a ajudá-lo. Ele escreveu um trechinho no papel: 
Par com par/ Vamos ver no que dá/Essa troça que se enrosca.
Eu complemente:
E se toca, mas por debaixo dos panos.
Ele veio com mais um verso depois de pensar por alguns minutos:
Só não podem se descobrir.
Eu complementei de supetão:
Senão, o encanto se desmancha/E vira um borrão transformado em mágoa/Que se acaba por aí.
Ele anotou os meus versos e começou a reler tentando tirar dali um samba:
- Par com par/Vamos ver no que dá/ Essa troça que se enrosca/E se toca, mas por debaixo dos panos/Só não podem se descobrir/Senão, o encanto se desmancha/E vira um borrão transformado em mágoa/Que se acaba por aí.
Então ele disse:
- Vou trabalhar mais nessa canção e construir um belo refrão. Acho que da próxima vez vou tentar sentar distante dos fregueses do bar. Essa sua maneira de observar é bastante produtiva.
      - Não se esqueça de que ao se sentar próximo das pessoas, as palavras faladas também ajudam na cadência dos ritmos e isso lá tem suas vantagens. – Complementei.
         Olhei o relógio e observei que já era hora de pegar o avião. Tive de me despedir daquele sujeito peculiar e seguir rumo ao aeroporto. Claro, antes de ir, pedi a ele que assim que terminasse a composição me enviasse por e-mail a música completa. Esse foi mais um dia a rechear minha caminhada por aí.

domingo, 15 de julho de 2012

Meus caracóis

Ah, se não fossem os meus caracóis. Se os estirasse, certamente bocejaria à primeira olhada no espelho. Criaria uma personagem. Talvez a chamasse de Amanda. Outro ser, menos caricato, menos cara de desenho animado. Enquadrado em algum lugar, em algum retângulo mais apaziguado com os padrões.

Ah, se não fossem os meus caracóis. Eu me sentiria um ser liso, menos crespo. Mais introspectiva menos espalhafatosa. Mais risos sutis, menos gargalhadas escancaradas. Mais divisível, menos singular. Seria um espécime de dentro de um mundo em que as palavras se norteariam por direitos, menos por esquerdos.

Ah, se não fossem os meus caracóis. Saracotearia por aí de salto alto, terninho e me intitularia doutora. A tal da Amanda tomaria conta do pedaço. As pessoas do asfalto me tratariam com certa reverência. A verticalidade se circundaria sobre mim e a horizontalidade que os meus caracóis perseguem se desmancharia.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Transição

Como um ser humano pode te deixar possessa e ao mesmo tempo te fazer soltar aquela gargalhada? Foi assim aquele dia. Ele tinha feito de tudo pra me aborrecer. Liguei, não me atendeu. Mandei mensagem, não retornou. Me preocupei e ele nem tchum. Foi só ele chegar. Viu que eu não estava dando corda. Falou que eu era a mulher TPM. Disse que eu tinha de parar de fazer bico, porque mulher crescida não é dessas que faz isso. Falou que aquele meu jeito era coisa de menina mimada.

Aquilo foi me irritando de tal forma. Até que decidi: não abro a boca pra dizer nem um piu. Ele sentiu, de alguma maneira, que a panela de pressão estava quase estourando e, mesmo assim, veio pra perto. Eu virei tatu-bola e me distanciei pra outro canto. Ele pegou no meu cabelo. Tive vontade de puxar, mas quem se machucaria era eu. Então, ele com voz de menino bocó começou a cantar: você é luz, é raio, estrela e luar, manhã de sol, meu Iaiá, meu ioiô. Você é o sim e nunca meu não, quando tão louca me beija... Daí em diante a gargalhada veio à tona, depois de muita luta para retê-la e a birra foi se diluindo até não restar nem gota.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Sopro, reza, tremelique, pedido a Xangô e... Nada.
Permanece ali: atado
Alguns dizem:
É energia de antepassado
Outros falam:
Nada disso, nó é nó.

Mais alguns sopros,
Reza pra outros santos.
Recorre-se a uma análise de dentro.
Intercala-se o id, o ego e o superego.
Nada acontece.

Deixa-se o apertado laço do jeito que está,
Continua-se desembrulhando os dias sem muito pensar.
Passos desengonçados são os mesmos.

De repente, o nó amolece.
Desata-se preguiçosamente
E a leveza vem pra perto feito sopro de vento.