terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Nexo desconexo


C: Segue sendo assim, Joelmita.

J: Tô cansada. Outro dia, o João e a Tânia me contaram que assim que me convidam prum barzinho ou algo do gênero, já vão prometendo aos amigos: ‘ temos uma amiga divertidíssima, com ela não tem jeito da prosa falhar’. E lá vou eu suprir essas expectativas. Solto umas piadas, engato a conversa a partir do que vão sugestionando, os palavrões vão brotando ali e acolá. Se tiver um sujeito crente na roda, fica logo espantado. Dá pra ver pelas expressões de constrangimento na cara dele. Quando solta um ‘benza a Deus’ no meio duma frase ou outra, eu já tento reter os palavrões...


C:hahaha... Que bobeira, Jô! Você nasceu assim, desbocada. Isso faz parte de você. Se um dia não sair um ‘que merda’ da sua boca, vou até me assustar.

J: Nascer falando palavrão não nasci, mas desde que ouvi algumas pessoas os dizendo, não como uma forma de ofender, mas como uma interjeição no meio da fala, achei o palavrão uma maneira tão boa de dar ênfase a alguns pontos da conversa, que acabei aderindo às palavras “feias”. Sei lá, sempre vi de forma romântica a chulice da fala. Dá autenticidade à conversa em alguns momentos... Quem sabe falar bem o palavrão é o povo baiano, em tudo eles incluem a palavra foda. E lá vão eles dizendo: ‘esse acarajé tá de fude!’ Outro dia uma amiga me disse: ‘Jô, você tem de parar de falar tanto palavrão, os homens nobres vão acabar se afastando’. Daí não resisti e falei : ‘não quero homens nobres, quero os mundanos mesmo’.  

C: Ah, deixa de ser besta. Você realmente é uma das pessoas com o melhor papo que eu conheço. É um catálogo de temas ambulante. Quando você vê que a pessoa tá sem assunto, faz uma perguntinha e mais outra, daí consegue ainda extrair desse alguém uma prosa...

J: É assim que uma boa samaritana faz milagre. Tem gente que pensa que pra entrar num papo fiado basta estar presente. Não é assim, caramba! Pra conversar precisa de algum engajamento. Ficam o sujeito e a sujeita passivos só esperando a próxima pergunta pra eles poderem responder. O pior é que ainda tem gente que tem preguiça até de falar. Fica num monossilabismo irritante. Daí não tem jeito. Acabo questionando: ‘Você consegue sair de casa só pra ficar me escutando? Haja paciência, viu!’ Alguns riem e acabam destravando... Ufa!

C: Pois é, por isso que a gente acaba te chamando. Pra não deixar ficar aquele silêncio constrangedor. É tão confortável saber que tem uma pessoa bem humorada que vai dar combustível ao convercê...

J: Essa história de eu ser a mulher engraçadinha do pedaço espanta um pouco os rapazóides. A mulher é sempre a pudica do lugar. Posiciona-se nos assuntos de forma contextualizada, incrementa o papo.  Tá ok. Isso eu também faço, mas não resisto a uma boa esculhambadinha. Fico manjando as pessoas da roda e, rapidamente, consigo pegar as características delas. Assim que percebo deslizes nas falas, acabo fazendo troça. Isso espanta a comunidade masculina, já percebi isso.

C: Jô, de onde você tirou essa paranóia?

J: Veja bem, esse negócio de observar o que os outros tão dizendo pra poder tirar um sarro da cara das pessoas e fazer todos rirem, é coisa de menino. Desde pequenos, os homens são treinados para se safarem das sacaneadas dos amigos. Se um sujeito corta o cabelo um pouco na moda, já vão chamando o cara de boiola. Ele raciocina rápido e dá-lhes uma bela resposta inteligente e, ainda sai por cima da carne seca, mostrando que conseguiu superar a barreira do cabelito diferenciado. Isso quando o guri não fala que é gay mesmo e sai correndo atrás dos amigos da onça pra tentar dar um beijo, só de sacanagem. A gente não... As mulheres são sensíveis. Sabem que podem ferir a outra menina sacaneando, por exemplo, o cabelo tingido de loiro que acabou ficando um pouco esverdeado.

C: hahaha... Você tem razão. Lembra da Maria, ela tingia o cabelo de loiro e como sempre praticou natação, o contato com o cloro da água acabou deixando a cabeleira dela verde. Quando ela chegou na escola, todas nós fingimos que não vimos nada, mas você foi a única a fazer o comentário: ‘Ei Maria, agora você virou punk?’ E ainda começou a tocar uma guitarra invisível. hahahaha

J: Até hoje essa menina não fala comigo, depois de 11 anos já tendo se passado. O pior é que nem fiz por mal. Eu não tenho o filtro da sensibilidade. As minhas impressões são arrotadas sem a menor delicadeza. Isso acaba assustando os outros.

C: Mas no dia seguinte ela tingiu o cabelo de moreno escuro. Você acabou fazendo um bem a ela...

J: É a tradicional hipocrisia da mentalidade feminina. Comenta-se tudo sobre tudo, mas não na frente da protagonista, porque pode ferir os sentimentos. É a dificuldade de ver a vida com bom humor. Rir das merdas que acontecem.  Tudo é dito cheio de não me toques irritantes.

C: Jô, você está sendo injusta. Pombas! Acaba sendo a nossa estratégia de sobrevivência também. Somos assim, mais complicadinhas. Queremos agradar pra não machucar, mas não nos aguentamos e temos que sair comentando tudo.

J: A expressão ‘pombas’ é denunciadora de idade, Clara! Hahaha... Pára de falar: ´Pombas’! Se você incluir da próxima vez: ‘Putz grila’. Vai ter de se ver comigo. hahahaha... Mas é tão mais interessante já dizer tudo o que se pensa com bom humor. Sem tanto ressentimento. Tudo bem, pra tudo tem limite. Mas o limite acaba sendo dado pelo bom humor do outro também. E dá-lhe boas respostas para uma sacaneadinha.

C: hahahaha... Da próxima vez que eu observar um cara gostosinho por perto, vou dizer: ‘Nossa, aquele sujeito é um pão’. Satisfeita?! hahaha... Poxa vida, mas aí eu apelei, ‘pão’ é expressão da época da vovó... É menina, mas nem todo mundo nasceu tão boa de espírito assim. Nessas sacaneadas os traumas podem vir à tona...

J: Ai, que papo de psicóloga. Daqui a pouco, ninguém vai ser espontâneo... Todos vamos pisar em ovos pra conversarmos... Ah, não. Que encheção de saco...

C: Tá certo, Jô! Só tô te dando o contraponto. Sem piadistas por perto, tudo acaba ficando meio sem graça mesmo. Mas afinal, que papo de maluca é esse? Você primeiro se questiona sobre o fato de as pessoas te acharem engraçada, que isso é postura masculina e que os cabras te rejeitam por você ser assim e, ainda por cima, depois vem em defesa do bom humor?!

J: hahaha... Eita menina! Não é que você é boa nessa arte de escutar amigas mesmo... Tô sendo a contradição em pessoa, hein. É essa TPM, viu. Não que eu queira banalizar esse estado feminino, mas como eu tenho a capacidade de ficar: carente, problemática, contraditória e doida nesse período. Afe!

C: Pode incluir as variações hormonais na sua lista de insatisfações quanto ao jeito feminino de ser, viu. Sem esquecer as cólicas menstruais dolorosas mensais, que o nosso organismo nos faz sentir. Parece que faz de propósito. Só pra não nos deixar esquecer que a gente possui ovário e que ele não foi fecundado naquele mês...

J: Ufa... A cólica de vez em quando é um alívio, né não?!

C: Oh, se é! Jô, tenho de ir.

J: Vou colocar um tênis e dar uma corridinha. Quem sabe a serotonina acaba apaziguando a progesterona e o estrógeno.

C: Faz isso. Tchauzim.

J: Obrigada, Clarita!

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