domingo, 22 de janeiro de 2012

Texto corrido: Vida corrida


Por que às vezes a vida é tão doce, outras tão cinza, tantas vezes onda de subir e de descer e mais algumas, mansidão? Não há explicação fácil de ser dita em um texto de algumas linhas. Nem sabemos se há explicação. Têm fases em que escolhemos o claustro de um quartinho com algumas companhias silenciosas. Seriam essas felizardas: nossas próprias memórias, ou nossa imaginação, ou a leitura sobre causos inventados pelos outros, ou recortes de imagens desencadeados em uma tela de tevê. Desligamos o telefone, o computador e se a campainha tocar não atendemos, por mais que o carro na garagem e o porteiro do prédio denunciem nossa presença. Nesses momentos, queremos fugir de pessoas mesmo que elas não aceitem. É fase, oras! Se perpetuar por mais de um mês, talvez seja o caso de chamarem o corpo de bombeiros. Há fases em que não aguentamos a nós mesmos. A partir daí nos transformamos em seres sociáveis. Momento de colocar a agenda do celular para funcionar. Damos prioridade aos amigos que falam bastante sobre si, porque de nós já estamos saturados. Ouvimos, ouvimos e ouvimos mais um pouco. Assim que nos deixam dar alguns pitacos, passamos a aparar arestas na vida alheia, porque bons ouvintes são assim mesmo, na vida dos outros sabemos tudo o que deve ser feito, mas quando nos voltamos para as nossas, a coisa muda de figura. Têm fases em que a geografia do lugar em que nos encontramos já está tão reprisada que sentimos a necessidade de vivenciar outros horizontes. São fases em que ter um pouco de dinheiro guardado se faz necessário. Pelo menos para poder pagar a gasolina do meio de locomoção ou a passagem da promoção veiculada de madrugada em algum site de empresa aérea. A escolha do lugar de destino nem é tão relevante assim, o importante é sair da cena cotidiana. Acabamos escolhendo a cidade a ser visitada pelo preço da passagem. Já quando a viagem é feita com o próprio veículo, a opção se dá a partir do conhecimento da distância a ser percorrida. Saímos do lugar rotineiro para nos depararmos com outros relevos. Muitas vezes com sucesso, outras com acúmulos de boas histórias pra contar, porque toda merda que acontece em uma viagem acaba virando piada. Há fases em que encontramos um alguém que queira partilhar conosco uma relação de afeto e cumplicidade. Nessas vezes, não sabemos por quanto tempo isso tudo durará. Mas partimos do pressuposto de que aquilo vai se desenrolar feito um papel higiênico interminável. Em muitos casos, o rolo acaba antes mesmo de suspirarmos no primeiro afago. E nessa caminhada de conhecer pessoas, encontramos aquelas que podem ser apelidadas de montanha-russa. Quando estão na fossa nos carregam junto com elas, e quando estão no paraíso lá estamos para acompanhá-las. Esse é o momento em que nos descobrimos volúveis, porque aceitamos um ser humano assim, mesmo que pareça ter transtorno de personalidade. Só nos desvencilhamos quando percebemos que precisamos de fôlego para continuar vivendo, porque do jeito que a união seguia, daqui a pouco, dez anos de vida se antecipariam em nossa face. Os cabelos brancos brotariam antes de o tempo genético expeli-los naturalmente. Algo de amor próprio nasce e buscamos seguir em frente tentando alcançar o caminho do meio, como diria Buda, sem tantos paraísos e infernos, e sim mansidão. Mesmo depois de muitas vivências, ainda conseguimos entrar em outras furadas. Têm fases em que nos voltamos mais para o trabalho, o que nos realiza de forma tão pujante que a vida pessoal vai sendo postergada. É a fase workaholic. São momentos em que uma gastrite e algumas gordurinhas a mais vão sendo despejadas no corpo. Há a fase em que nos provocam a constituir uma família própria. Nessa cobrança o ser moral, social, histórico, cultural enraizado na sociedade vem à tona. Para alguns, isso é fonte de angústia, para outros nem tanto. Há a última das fases, aquela em que percebemos o fim. A finitude nem sempre é sentida por todos, mas não há dúvida de que todos chegaremos até ela, e tudo bem. Essas são algumas das fases que passamos, passaremos ou nunca chegaremos a passar. São apenas momentos transitórios. Alguns menos duradouros, outros mais. A cada uma damos um sabor, uma cor, um movimento. Só não sabemos até que ponto estamos no comando do barco ou, à deriva.

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