terça-feira, 27 de março de 2012

Ratoeiras

Escangalhada estou por dentro.
Se eu fosse máquina,
Bastavam uns ajustes:
Trocavam-se peças,
Alinhava-se o eixo,
Jogava-se no lixo se não tivesse jeito.

Mas não, eu sou gente.
Só pra complicar as reparações do meu ser.
Já tentei inventar uma fórmula pro conserto,
E não teve pra onde correr.

Presa, na crueza das armadilhas, estou.
Naquele em que me depositei
Sem pedir licença,
Apenas entrei.

Escancarei o que podia.
Saí do conforto dos dias sem laço
E no descompasso
Me vi desprotegida.

Ao me deparar com o acesso precário.
Sem ponte para compreender o que estava por vir.
Percebi que era hora de partir.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Micróbios comunicadores

Somos micróbios invisíveis a vasculhar a vida alheia. Vamos penetrando pedaços de peles à mostra, apenas aqueles visíveis por quem quer se expor. Esses sujeitos apresentam-se na superficialidade de fotos vistosas, em histórias de vida cheias de beleza e de exuberância. Status são gritados ao bel-prazer dos que estão em rede.
Rapidamente se desvendam os laços pontilhados ou densos de relacionamentos à distância ou próximos. Traçamos o perfil de quem linkado em rede está ou, ao menos, o que querem que percebamos sobre eles.
Arrotam-se intelectualidades e futilidades. Repassam-se informações importantes e inúteis. Ativistas conseguem espalhar suas causas rapidamente, como o fez um americano no curto documentário Kony 2012, em que um cidadão consegue expressar a invisibilidade de um povo e a tirania de um ditador. Na contramão, preconceitos são disseminados com a mesma rapidez, como o fizeram duas estudantes americanas loiras, que vomitaram no youtube a selvageria da não aceitação da diferença em suas críticas racistas a colegas de escola.
A comunicação é ativada, a informação é transmitida com a brevidade de um toque e, com a fugacidade dos minutos, o mesmo assunto se esquece.  Contorna-se a vida dos outros, descobre-se mais sobre o que dificilmente se desvendaria sem o acesso às redes.
Talentos são revelados pela democratização das mídias. Lixos informativos transbordam a cada clique. As enciclopédias Barsa, Mirador, Britânica da nossa infância vão morrendo e sendo substituídas pela Wikipédia e o Google, o Pai dos burros e curiosos. Assim como morreu a Kodak, aquela empresa que despejava máquinas fotográficas no comércio. Estas faziam com que valorizássemos os instantes.
Acabamos nos transformando em japoneses, os maiores registradores de imagens por segundos, com o auxílio das máquinas fotográficas digitais e dos celulares multi-acessórios. Além de denunciadores de atrocidades do cotidiano com o registro de cenas dramáticas: de pais espancando filhos, de governos matando seus civis, de enchentes consequência do descaso.
Micróbios fuçadores, registradores, repassadores, comunicadores, editores, saboreadores, pesquisadores. Reflexivos ou não. Mecânicos ou não. Com instrumentos ao alcance das mãos. O que somos? Protagonistas do tempo presente? Instrumentos? O fato é que vasculhadores sempre fomos. Desde que o mundo é mundo, estamos sempre a tentar destrinchar o que nos interessa. A coisa se complica quando o nosso interesse passa a ser governado pelos outros sem que percebamos. Mas será que isso demanda tanta preocupação? Ou não?

quarta-feira, 7 de março de 2012

Algumas facetas

Sou uma ativista do direito de ser mole. Quer cair, deixa cair. O corpo humano foi feito pra isso. Sou ativista dos traços no rosto. Começam miudinhos e, com o tempo, vão cavucando a pele. Principalmente a da Dona Maria, sertaneja que conheci há um mês. Ela sim se deixou riscar pelo tempo no sertão mineiro. Sua pele parece o solo do lugar onde habita. Para tanto, bastou a ela: sorrir demais, chorar demais, viver demais.  Sou ativista do prato cheio. Do olho sedento. Do pão com manteiga quentinho mergulhado num pingado. Sou ativista da liberdade dos pássaros. Até hoje, não entendi como um ser pode colecionar vida e, desse jeito, concentrar os pios de diferentes espécimes em alguns poucos metros quadrados.  Sou ativista-mor da delicadeza. Nem precisam colocá-la no artigo sexto da Constituição Federal, aquele que fala dos direitos sociais, basta plantar em cada menino e menina recém-nascidos a bendita apenas dando o exemplo. Daí a semente da delicadeza daria frutos em todo o canto do mundo. Sou ativista da preguiça. Aquela que me faz escrever quando estou com vontade de descansar. É ela que me deixa estática, sem o impulso para fazer faixas e esbravejar aos quatro cantos todo esse ativismo meu.