A cena do crime estava
crua. Sangue esparramado pelo chão e paredes. Alguns vestígios, mas ainda pouco
a se compreender. Pedaços de gente espalhados por todos os cantos. Carne
fresca: pensava o delegado. A cada crime, com mais frieza, era capaz de sentir.
Aquele velho vasculhador de indícios não distinguia as gentes da rua dos
encastelados doutores de tribunais. Afinal, todos serviriam de alimentos aos
vermes. Eis que as portas do lugar se fecharam e um barulho de triturador se
pôs a ocupar o vazio da cena. Os investigadores, junto com o velho delegado,
foram moídos.
A prosa e o verso compõem-se de palavras dispostas feito as pedras de um mosaico e o colorido quem dá somos nós: eu, ao tropeçar pintando as pedras-palavras e você, ao caminhar por entre elas recolorindo-as.
terça-feira, 22 de maio de 2012
terça-feira, 15 de maio de 2012
Sombra
Se apequena quando o
sol está a pino.
Me engorda mesmo eu estando
esquálida.
Me persegue assim que
a luz está a minha frente.
Foge de mim em dias nublados.
Sempre sonhei te
abraçar.
Não há problema nesse
sonhar,
Porque estamos muito
próximas ao deitarmos todos os dias.
domingo, 13 de maio de 2012
Melhor que aspirina
Sós estivemos por muito tempo. Assim nos habituamos às paredes, à
cadência da rotina, a fazer necessidades de portas abertas, a deixar fluir os
gazes como uma sinfonia sem fim. A rirmos de bobeiras como essas que nos
aproximam dos animais. A ficarmos transitando da forma como bem queríamos pela
casa, sem ninguém pra reclamar. Afinal, só as muriçocas eram as testemunhas da
intimidade arquitetada com toques de mestre no decorrer de anos.
Sem mais nem menos, engessávamos o tempo: hora de acordar; hora de escovar os dentes; hora de tomar café na padaria e ler o jornal; hora
de ir pro trabalho; hora de voltar; ir caminhar; voltar; ver meia hora de
televisão, ou mais, caso o telejornal estivesse interessante ou se tivesse um bom
filme passando; hora de esquentar o leite, acrescentar toddy e comer pão com
queijo e ovo. Hora de ler pra estimular o sono e, finalmente, sonhar, ou não, pois
nem sempre nos lembramos das histórias do subconsciente. Cada dia que se passava,
recrutávamos o tempo feito soldados em prontidão, para martelarem as horas do
mesmo jeito.
Até que um dia desses, te vi caminhar pela rua no mesmo
horário em que eu caminhava. Você deu um sorriso tão generoso, tão receptivo,
que me destroçou e eu retribui. Voltei pra casa e comecei a mirabolar todas essas
conjecturas. Presumi que você tem uma rotina toda sua, que engessou os
segundos, mas que amanhã no mesmo horário de sempre, hora da caminhada, tudo se
transformará.
sexta-feira, 4 de maio de 2012
Cantando a sorte
Cheio de ginga, embalava a noite.
Não tinha vintém.
Fez do violão o seu preço.
E com o instrumento transformara sua feiura em
adereço.
Trocava as melodias pelo copo cheio.
Filho de ogum com iemanjá,
Alimentava-se de crenças sem pestanejar.
Açambarcava as almas das solteiras e os anéis das
casadas.
Após dez copos virados da branca que rasgava a
garganta,
Mais treze canções interpretadas,
Sentia no corpo o arrepio das almas que o
açoitavam.
Pegavam-no pela calça puída.
Ele escorregava por debaixo da mesa.
As palmas dos convivas corriam por todos os lados.
Despedia-se do boteco puxado por uma força
invisível.
Não eram pessoas, eram seres de outro mundo.
Logo seu corpo se transubstanciava em lobo.
Subia no morro e começava a uivar para a noite.
Eis que acordava as casas ao redor.
Os habitantes já arrumavam o maior quiproquó:
‘Véio bêbado tem dó!’
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