segunda-feira, 30 de julho de 2012

O passo irreversível

Chegar ao quarto e se deparar com aquela pessoa que passou tantos anos ao seu lado, com o rosto sem o colorido natural e a boca roxa, era a tradução de que aquilo que você menos imaginava estava ocorrendo. De uma hora para a outra, seu coração acelerou e veio a imagem de que aquela cena poderia ser ilusória, poderia ser um conto tenebroso em que o sujeito deitado na cama era apenas um dos personagens.
Mas, não. Aquele era um dos slides da sua história. Você não tinha o controle sobre aquilo tudo. O desespero se apoderou de você. Como um ato reflexo, você saiu correndo e procurou o telefone do corpo de bombeiros. Eles vieram, levaram o ser amado para o hospital e em três horas a notícia chegou. Ele estava morto. O corpo antes quente, agora se encontrava frio e teria de enterrá-lo.
No mesmo instante, uma série de pensamentos veio à sua mente. O adeus não dito. Os retratos dos momentos vividos projetados pela memória como um filme. Algumas palavras truncadas ditas por aquele ser fantástico se misturavam em seu pensamento. O sujeito que ensinou a seus filhos tantas coisas, delimitando em traços de humanidade o que eles haviam se transformado, foi-se de repente. De dia para o outro, a presença dele foi transformada em ausência. O vazio impreenchível, pela não possibilidade de um próximo abraço e de uma próxima palavra, foi se contorcendo em saudade.
A noite anterior, com ele a reclamar nos papos rotineiros da cozinha, transbordou-se em lembranças no dia seguinte em que não mais poderia ouvi-lo e vê-lo. Perguntas não paravam de chegar aos seus pensamentos, sem respostas. O limite da vida. Deparar-se com o passo definitivo. O ponto final de uma história. Saber que a vida corre como se fosse areia entre os dedos. Não há como impedir que ela se vá. Mas os resquícios dos grãos de areia retidos na pele ficam. Esses grãos são a memória do ser amado que se consolida feito um amalgama entre aqueles que continuam e preenchem-se de recordações.

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