segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Nada a dizer

Encontrava-se numa cadeira sentada, sem nada nos bolsos, apenas a chave do carro nas mãos. Mesmo assim, procurava sem sucesso o celular para ler os textos postados em algum site ou alguma mensagem perdida de alguém que lhe interessasse. Sempre preenchia seu tempo com textos ou papos ou trabalho ou filmes ou música, ou, ou...

Ali estava, de frente para o parque, olhava estática com a boca entreaberta e inquieta, pois estava ainda em crise de abstinência pela carência de ter algo a preencher o tempo (palavra, som, imagem, contato). Permanecia sentada, porém passava por sua cabeça uma vontade ensandecida de sair daquele nada silencioso.

Certa de que aquele momento de não conexão lhe faria bem. Continuou ali, aos poucos passou a se entreter com aqueles que caminhavam para manter a forma ou mesmo uma saúde, mais ou menos, equilibrada. Muitos daqueles que caminhavam, imaginava ela, não queriam estar naquela situação. E sim debaixo de uma coberta quente, com um balde de pipoca amanteigada no colo e um copo grande de coca-cola com gelo.

Depois de duas horas sentada. Levantou-se com a bunda dormente, o caminhar trêmulo, pelo formigamento que a compressão das veias na cadeira dura trazia ao seu corpo. Começou a caminhar e à medida que andava, compartilhava de trechos de histórias daqueles que caminhavam em duplas, trios e por aí vai.

Soube que um casal estava com problemas com o cachorro. Um trio de amigas falava de um sujeito interessante. Uma criança caiu da bicicleta e o pai gritou com ela. Um sujeito andava de patins esbravejando uma canção de rock. Vários retálios de conversas alheias somaram-se à sua andança. Aos poucos, foi se reencontrando com o que lhe interessava naquele instante: seu nada a dizer somado ao tudo a dizer dos outros.

Cansada, foi-se embora dali, após uma hora caminhar, não entendera bem o que lhe passara, apenas sentiu-se a vontade para sair daquilo que havia se proposto e entrar numa sessão de cinema, novamente, sem nada a dizer.

domingo, 30 de novembro de 2014

Fidelidades ao vento

Quisera eu ser aquela pessoa que conseguisse não se fidelizar a um simples sorriso, a uma palavra amável, a um agradecimento dito com ares de encanto. Mas não, cá estou eu a tecer histórias sobre aquele alguém que me cumprimentou com um largo sorriso.

Estruturo uma história de vida, sem ao menos saber o nome do sujeito que me olhou ao cruzar meu caminho numa rua qualquer. Já desmembrei todas as possibilidades de reencontros, já teci futuros desacordos diante das incongruências que a vida nos traria, já cogitei ainda a possibilidade de ter filhos com o possuidor do sorriso terno.

Mas ao acordar e compreender que dei vazão a essa loucura calada, dei-me conta que sou daqueles seres que se fidelizam ao vento. Basta ele uivar uma melodia serena, que agrade ao ouvido e à alma, que teço paisagens e caminho por entre elas com a leveza de quem se apaixona à primeira vista.

Isso faz com que ao me embriagar com o inexistente, passe a criar imagens e histórias. Mas ao mais amplo toque de uma buzina ou ao mais suave barulho da campainha, aquele vapor criado se desmorona diante da realidade que desconstrói o sonho.

Essa é a desarmonia dos idealistas, que vivem por tecer outros mundos, pois não conseguem quedar-se integralmente no mundo devorador de pessoas assim. Diante da realidade nua e crua das coisas, não conseguem ser diferente. Desviar essa maneira de ser seria tentar segurar a correnteza do rio.

Um turbilhão de pensamentos imaginados pode até, em alguns momentos, ser abafado por sons e relevos da realidade, mas os idealistas ao mais breve furor do reencontro com coisas e pessoas que abrem a fresta do pensamento, entregam-se ao lugar irreal. Sedimentando histórias criadas com material parco e estruturando novos horizontes.

Ah, por que um simples olhar pode traduzir na cabeça dos sonhadores tanta coisa?

terça-feira, 26 de agosto de 2014

derradeira escolha

Pensei em me barbear para sair aquela noite, mas nada me movia do lugar. Creio que era a impossibilidade de erguer energia para mais uma noite de shows e pessoas bêbadas ao meu redor. Saía de casa todas as quintas e sextas e perseguia lugares ao encontro de gente. Noites povoadas por expectativas na busca de um bom papo, uma boa cerveja e algumas gargalhadas. Muitas vezes, noites frustradas, outras nem tanto. Mas sempre retornava só, apesar de acompanhado, sem muito  querer estabelecer vínculos. Talvez isso seja sintoma da comodidade de não ter de dar satisfação a ninguém, poder caminhar e escolher os lugares em que quisesse estar, viajar sempre que estivesse com vontade. Então, lá estava eu, a mirar o espelho sem saber se ia ou não sair. Voltei ao quarto, peguei o libro dos Gabirus e iniciei a leitura, passadas três horas, tinha alcançado a metade do livro, decidi não sair, porque me desliguei do mundo das pessoas e me voltei para o mundo das personagens. Deitado permaneci a finalizar a leitura e passar aquela noite em boas companhias.

domingo, 17 de agosto de 2014

Rumores

Mirada que atravessa menos que duas cadeiras,
Um start de prosa,
Um entreabrir de ouvidos.

Duas vidas disponíveis se entremearam.
Sentados ficaram, por tempo sem cronômetro,
a tecerem meandros de sentidos e sentires,
salpicados com piadas e risadas.

Avião chegou, 
Um foi para o seu destino
Outro, parado ficou por tempo determinado pela chamada do voo numerado.

Ambos se esvaziaram no minuto-tchau.
Pesar que atravessa as almas dos que se encantam fácil.

Nomes trocaram.
Quem sabe se reencontrem na incerteza do mundo povoado pelos cliques.

domingo, 10 de agosto de 2014

Grãos de certa profissão

O tempo apressa. As palavras fogem. A sensibilidade se cansa na embriaguez do cotidiano atarefado e atordoado pelos compromissos que preenchem os minutos escassos de ócio.

A rotina de prazos infindáveis. Peças processuais que se desenrolam na defesa das muitas indefensáveis causas. Sacodem-se Códigos, Jurisprudências, Doutrinas. Tudo para que os recursos sejam ao menos conhecidos, sem multas.

Oh, sufoco dos desencantos com o Judiciário que por tamanha morosidade muitas vezes os processos nascem, mas nem sempre se enxerga quando irão morrer e se solucionar algo que deveria ser finalizado em pouco tempo.

Essa instituição que amontoa papéis burocraticamente bem delimitados por volumes que se sobrepõem e sobrecarregam a coluna de quem deles sobrevive. Gasta-se tempo manuseando as infindáveis folhas de cada vida que pleiteia a solução de um direito que pensa lhe ser justo, porque é Justiça que se busca alcançar.

No oco das horas, enxuga-se gelo tentando reverter decisões consolidadas ou defendendo-se do que já se venceu e se pretende continuar a ganhar. A arte do convencimento dos outros e de si para não deixar acabar o que não deveria nem ter começado se o mundo fosse perfeito, com pessoas recebendo o que lhes são de direito e pessoas praticando efetivamente o que são os seus deveres.

Perdida no amontoado do juridiquez pronunciado por “doutores” e “doutoras”, peço vênia para isso, peço data máxima vênia para aquilo, pois afinal essas expressões servem para não ofender o ego dos “doutores” de plantão. E em cada audiência, a palavra Excelência não pode deixar de ser pronunciada. E para poder recorrer de qualquer coisa dita em audiência, não posso deixar de constar em ata o dito, pois o que não está nos autos não está no mundo.

Assim, me descubro uma pessoa que mais pensa no porvir do que no agora. São tantos prazos fatais que não podem ser perdidos, porque senão quem perde o pescoço soy yo, que a vida segue seguindo mais rápida do que nunca, na velocidade dos artigos que enumeram os dias que devo interpor recursos e dos artigos que enumeram os prazos prescricionais para eu agir e não deixar o direito se esvair.

Aí o tempo escorre, os prazos são cumpridos e à medida que os grãos se amontoam na ampulheta do tempo, a poesia se contrai na exaustão de mais um dia pensando no futuro que colhe, no passar dos dias, fôlego por mais uma causa ganhar.

Oh, insensata profissão!

domingo, 27 de julho de 2014

Amores perdidos

Escapamos de pessoas, elas se perdem da gente. Por vezes, nem se percebe que aquele ser já tinha se ido há muito e, mesmo assim, lá está ele ao seu lado por mais alguns meses ou dias. Protelando o adeus. Talvez pela dificuldade da despedida, talvez pelo medo momentâneo da solidão.
Essa tal persistência por quedar-se ao lado do ser que está enraizado na sua vivência, pode ser sinal de que o amor transformado em amizade, na partida, vai retirar parte do que você se transformou. Parece doidice perder noites umedecendo travesseiro e brigando com a impossibilidade de atravessar a porta e partir.
A dificuldade de deixar ir embora aquele ser que já descobriu suas manias e contradições faz parte de uma das leis da física. A inércia. Somos seres inerciais sim. E há uma beleza nisso. Somos essencialmente preguiçosos, deliciosamente acomodados, vivazmente enraizados.
Isso dificulta tudo. Gera o temor das mudanças, da busca pelas imperfeições de outras formas de se lidar com a vida. De ir em busca de outros seres tão espetacularmente cheios de novas possibilidades.
É isso...
Chegou o dia em que se virou mais uma das páginas do seu cotidiano e você conseguiu se despedir: a dor apoderou-se de você, porque dali em diante sabia-se da impossibilidade de um retorno. As imperfeições de uma vida construída, dos silêncios da vida a dois que não puderam ser preenchidos com entendimentos.
Aos poucos, aquele ser foi se distanciando, até que se configurou mais uma pessoa especial no seu porta-retratos da memória. E o tal tempo transcorrido se traduziu em ecos de vozes veladas da incapacidade de se construir mais aquela vida em comum. Ainda assim, em momentos de lembranças, você queria voltar atrás, e berrar aos quatro cantos àquele que já se foi:
- Dê meia curva, volte pra perto!
E a pessoa que você amava continuou a trilhar o próprio rumo pelo caminho oposto ao seu. A dificuldade de se enxergar a nebulosa sensação de nunca mais voltar a amar aquela pessoa como antes. Momento da paixão desesperada, da confiança estabelecida e das incertezas da vida em comum.
Por que não perseguir os próximos passos rumo à continuidade de uma vida com ele? De uma vida com café da manhã diário, da rotina com idas e voltas do trabalho, dos finais de semana regados a companhia desse ser?
Simplesmente, porque não foi viável, não foi saudável e sim necessário. As pequenas brigas cotidianas, as palavras mal colocadas, as rosários traçados com manta de mágoa. Desfizeram a sensação de querer mais, de querer tê-lo, de desejá-lo.
E assim se foi o primeiro amor. Depois, o segundo amor e mais alguns outros. Cada qual levou consigo um pouco do que você foi se transformando e você carregou pra você algo deles.
Ah, o amor mexe com algo aqui dentro e destaca partes de você que pouco conhecia. E nos momentos de estar só lá também você se encontrava.
Mas o melhor de perder um amor, é reencontrá-lo no meio de qualquer lugar, sem muito procurá-lo, e assim se dá o amor presente e quem sabe esse não se irá tão cedo.

domingo, 20 de julho de 2014

O passo irreversível

Chegar ao quarto e se deparar com aquela pessoa que passou tantos anos ao seu lado, com o rosto sem o colorido natural e a boca roxa, era a tradução de que aquilo que você menos imaginava estava ocorrendo. De uma hora para a outra, seu coração acelerou e veio a imagem de que aquela cena poderia ser ilusória, poderia ser um conto tenebroso em que o sujeito deitado na cama era apenas um dos personagens.
Mas, não. Aquele era um dos slides da sua história. Você não tinha o controle sobre aquilo tudo. O desespero se apoderou de você. Como um ato reflexo, você saiu correndo e procurou o telefone do corpo de bombeiros. Eles vieram, levaram o ser amado para o hospital e em três horas a notícia chegou. Ele estava morto. O corpo antes quente, agora estava frio e teria de enterrá-lo.
No mesmo instante, uma série de pensamentos veio à sua mente. O adeus não dito. Os retratos dos momentos vividos projetados pela memória como um filme. Algumas palavras truncadas ditas por aquele ser fantástico se misturavam em seu pensamento. O sujeito que ensinou a seus filhos tantas coisas, delimitando em traços de humanidade o que eles haviam se transformado, foi-se de repente. Do dia para o outro, a presença dele foi transformada em ausência. O vazio impreenchível, pela não possibilidade de um próximo abraço e de uma próxima palavra, foi se contorcendo em saudade.
A noite anterior, com a presença daquele ser, transbordou-se em lembranças no dia seguinte em que não mais poderia ouvi-lo e vê-lo. Perguntas não paravam de chegar aos seus pensamentos, sem respostas. O limite da vida. Deparar-se com o passo definitivo. O ponto final de uma história. Saber que a vida corre como se fosse areia entre os dedos. Não há como impedir que ela se vá, e ela se perde no ar.
Naquele momento ainda encontrava-se ali: os resquícios dos grãos de areia retidos na pele. Parte daquele que se foi continuava no seu ser, fazia parte de você. Tornara memória viva. Amalgama profundo do que você havia se tornado. As noites se passavam. A dor terrível transformou-se em recordações. E aquilo que foi construído até aquele dia fatídico reteve-se dentro da sua história.