domingo, 27 de julho de 2014

Amores perdidos

Escapamos de pessoas, elas se perdem da gente. Por vezes, nem se percebe que aquele ser já tinha se ido há muito e, mesmo assim, lá está ele ao seu lado por mais alguns meses ou dias. Protelando o adeus. Talvez pela dificuldade da despedida, talvez pelo medo momentâneo da solidão.
Essa tal persistência por quedar-se ao lado do ser que está enraizado na sua vivência, pode ser sinal de que o amor transformado em amizade, na partida, vai retirar parte do que você se transformou. Parece doidice perder noites umedecendo travesseiro e brigando com a impossibilidade de atravessar a porta e partir.
A dificuldade de deixar ir embora aquele ser que já descobriu suas manias e contradições faz parte de uma das leis da física. A inércia. Somos seres inerciais sim. E há uma beleza nisso. Somos essencialmente preguiçosos, deliciosamente acomodados, vivazmente enraizados.
Isso dificulta tudo. Gera o temor das mudanças, da busca pelas imperfeições de outras formas de se lidar com a vida. De ir em busca de outros seres tão espetacularmente cheios de novas possibilidades.
É isso...
Chegou o dia em que se virou mais uma das páginas do seu cotidiano e você conseguiu se despedir: a dor apoderou-se de você, porque dali em diante sabia-se da impossibilidade de um retorno. As imperfeições de uma vida construída, dos silêncios da vida a dois que não puderam ser preenchidos com entendimentos.
Aos poucos, aquele ser foi se distanciando, até que se configurou mais uma pessoa especial no seu porta-retratos da memória. E o tal tempo transcorrido se traduziu em ecos de vozes veladas da incapacidade de se construir mais aquela vida em comum. Ainda assim, em momentos de lembranças, você queria voltar atrás, e berrar aos quatro cantos àquele que já se foi:
- Dê meia curva, volte pra perto!
E a pessoa que você amava continuou a trilhar o próprio rumo pelo caminho oposto ao seu. A dificuldade de se enxergar a nebulosa sensação de nunca mais voltar a amar aquela pessoa como antes. Momento da paixão desesperada, da confiança estabelecida e das incertezas da vida em comum.
Por que não perseguir os próximos passos rumo à continuidade de uma vida com ele? De uma vida com café da manhã diário, da rotina com idas e voltas do trabalho, dos finais de semana regados a companhia desse ser?
Simplesmente, porque não foi viável, não foi saudável e sim necessário. As pequenas brigas cotidianas, as palavras mal colocadas, as rosários traçados com manta de mágoa. Desfizeram a sensação de querer mais, de querer tê-lo, de desejá-lo.
E assim se foi o primeiro amor. Depois, o segundo amor e mais alguns outros. Cada qual levou consigo um pouco do que você foi se transformando e você carregou pra você algo deles.
Ah, o amor mexe com algo aqui dentro e destaca partes de você que pouco conhecia. E nos momentos de estar só lá também você se encontrava.
Mas o melhor de perder um amor, é reencontrá-lo no meio de qualquer lugar, sem muito procurá-lo, e assim se dá o amor presente e quem sabe esse não se irá tão cedo.

domingo, 20 de julho de 2014

O passo irreversível

Chegar ao quarto e se deparar com aquela pessoa que passou tantos anos ao seu lado, com o rosto sem o colorido natural e a boca roxa, era a tradução de que aquilo que você menos imaginava estava ocorrendo. De uma hora para a outra, seu coração acelerou e veio a imagem de que aquela cena poderia ser ilusória, poderia ser um conto tenebroso em que o sujeito deitado na cama era apenas um dos personagens.
Mas, não. Aquele era um dos slides da sua história. Você não tinha o controle sobre aquilo tudo. O desespero se apoderou de você. Como um ato reflexo, você saiu correndo e procurou o telefone do corpo de bombeiros. Eles vieram, levaram o ser amado para o hospital e em três horas a notícia chegou. Ele estava morto. O corpo antes quente, agora estava frio e teria de enterrá-lo.
No mesmo instante, uma série de pensamentos veio à sua mente. O adeus não dito. Os retratos dos momentos vividos projetados pela memória como um filme. Algumas palavras truncadas ditas por aquele ser fantástico se misturavam em seu pensamento. O sujeito que ensinou a seus filhos tantas coisas, delimitando em traços de humanidade o que eles haviam se transformado, foi-se de repente. Do dia para o outro, a presença dele foi transformada em ausência. O vazio impreenchível, pela não possibilidade de um próximo abraço e de uma próxima palavra, foi se contorcendo em saudade.
A noite anterior, com a presença daquele ser, transbordou-se em lembranças no dia seguinte em que não mais poderia ouvi-lo e vê-lo. Perguntas não paravam de chegar aos seus pensamentos, sem respostas. O limite da vida. Deparar-se com o passo definitivo. O ponto final de uma história. Saber que a vida corre como se fosse areia entre os dedos. Não há como impedir que ela se vá, e ela se perde no ar.
Naquele momento ainda encontrava-se ali: os resquícios dos grãos de areia retidos na pele. Parte daquele que se foi continuava no seu ser, fazia parte de você. Tornara memória viva. Amalgama profundo do que você havia se tornado. As noites se passavam. A dor terrível transformou-se em recordações. E aquilo que foi construído até aquele dia fatídico reteve-se dentro da sua história.