Quisera eu ser aquela pessoa que conseguisse não se
fidelizar a um simples sorriso, a uma palavra amável, a um agradecimento dito
com ares de encanto. Mas não, cá estou eu a tecer histórias sobre aquele alguém
que me cumprimentou com um largo sorriso.
Estruturo uma história de vida, sem ao menos saber o nome do
sujeito que me olhou ao cruzar meu caminho numa rua qualquer. Já desmembrei
todas as possibilidades de reencontros, já teci futuros desacordos diante das
incongruências que a vida nos traria, já cogitei ainda a possibilidade de ter
filhos com o possuidor do sorriso terno.
Mas ao acordar e compreender que dei vazão a essa loucura
calada, dei-me conta que sou daqueles seres que se fidelizam ao vento. Basta
ele uivar uma melodia serena, que agrade ao ouvido e à alma, que teço paisagens
e caminho por entre elas com a leveza de quem se apaixona à primeira vista.
Isso faz com que ao me embriagar com o inexistente, passe a
criar imagens e histórias. Mas ao mais amplo toque de uma buzina ou ao mais
suave barulho da campainha, aquele vapor criado se desmorona diante da
realidade que desconstrói o sonho.
Essa é a desarmonia dos idealistas, que vivem por tecer outros
mundos, pois não conseguem quedar-se integralmente no mundo devorador de
pessoas assim. Diante da realidade nua e crua das coisas, não conseguem ser
diferente. Desviar essa maneira de ser seria tentar segurar a correnteza do
rio.
Um turbilhão de pensamentos imaginados pode até, em alguns momentos, ser abafado por sons e relevos da realidade, mas os idealistas ao mais breve
furor do reencontro com coisas e pessoas que abrem a fresta do pensamento, entregam-se ao lugar irreal. Sedimentando histórias criadas com
material parco e estruturando novos horizontes.
Ah, por que um simples olhar pode traduzir na cabeça dos sonhadores tanta coisa?