Se a todos fosse dada a oportunidade de se desfazer em mil,
de se arriscar na tarefa, nada fácil, de se jogar na incerteza de um
relacionamento, seria o sinal de que estaríamos permitindo sermos volúveis,
sentimentais, piegas; numa sociedade em que, a cada dia, preza-se pela certeza,
segurança e racionalidade.
Todos seríamos heróis do não saber o que está por vir,
seríamos descontrolados, porque a paixão prega peças e são elas que nos trazem
o estado mais instável do ser. O choro, o riso, a harmonia, a cumplicidade.
Descargas de adrenalina por minutos vividos. E bem vividos!
Ah, aquela singeleza
de encontrar o olhar de interesse no olhar cruzado, que permanece por um breve
instante, e se permite entrar, e se permite vasculhar, e se permite conhecer, e
se permite destrinchar, até o mais profundo que possa alcançar.
Mas há aqueles que por temerem o rateio diário de compartilhamentos
de histórias, vivenciam suas individualidades tortas e se distraem não mirando
os que os circundam, possíveis parceiros.
Esses tipos temem a possibilidade de permitir deixar entrar
o outro ser que poderia vasculhar zonas demasiado escondidas. E, nesse espaço
nunca visitado, onde se pesa e se foge de si, esvai-se tempo, torcem-se as
memórias que poderiam ser construídas na companhia daquele que aniquilaria a
racionalidade, o controle de dias tique-taques.
Aqui está uma ode à vulnerabilidade deliciosa dos que estão
apaixonados, seja por um minuto, seja por um dia, seja por anos a fio. Aqui
está um grito de clamor por uma sociedade mais amorosa, mais intensa, mais
enamorada, em que compartilhamos tempo, em que o tempo, por vezes, inexiste.
Momento em que a paixão não quer ser fugaz, quer ser raiz fincada no solo, no
terraço, em todas as marcas do corpo, em todas as esferas do ser.