segunda-feira, 30 de maio de 2016

Silêncios de alma



Ela não entendia o sentimento que a dominava ao ver o homem de sua quase morte escoltado. Aquele ser, que com o tempo, tinha a transformado em seu bibelô pessoal.

Vendo-o partir sob escolta policial algo de triste, medo, incerteza, alegria se misturavam. Ainda tinha a memória do trecho de sua vida em que fora feliz, os meses em que aquele mesmo sujeito que a violentara por tantos anos a chamava de doce de mel e admirava com ar apaixonado suas curvas. Aquele ser que a retirara da dor diária da violência paterna.

Foram poucos os meses de paz. Logo, o homem transformou o alívio em desespero. Fez com que retornasse àquela mesma escuridão de tapas, socos e palavras vis.

Trazia no rosto as marcas de uma ausência de infância, de mocidade, de maturidade. Pancadas secas, palavras atrozes tinham-na levado ao limite da vida. Quando caminhava pela rua, tapava os hematomas por envergonhar-se, por acreditar que havia apenas uma culpada naquele ciclo de dor: ela.

Depois de anos de violência e recomeços com intervalos de gentilezas fortuitas, no último dia de sua quase morte, houve algo de diferente. Dessa vez, fora internada. O homem foi denunciado, não por ela, por vizinhos, com a prova no relatório médico de que, por pouco, não morrera.

Agora, ele estava ali na sua frente. Caminhava. Partia para uma grade. Ela, na incerteza do que estava por vir, mirava o sujeito e sentia um vácuo dentro de si com uma ponta de esperança. Que história carregava? Quem era ela?  

Viu, em sua carne moída, algo nada nítido. Apenas reconhecia que tinha sido uma mulher desejada por aquele homem por tão pouco tempo, para logo depois ser transformada naquele ser dilacerado. Ainda estava fraca para mirar a saída, mas tateava-a, com temor do novo, apenas tateava. 


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