Estava presa em um
lugar cheio de paredes. Elas cresciam conforme seus pensamentos transcorriam.
Pareciam brotar feito planta. Uma sensação de tempo perdido. E quanto
mais pensava sobre as horas que se esvaiam e ela ali presa, mais as paredes se
transformavam em labirinto. Foi se enraivecendo com vontade de parar de pensar.
Todavia, os pensamentos a tomavam. Agora as paredes começaram a despencar
golpeando o chão. Continuou a caminhada imersa na obsessão de deixar de pensar.
Os pensamentos vinham em turbilhão. Amontoavam-se. As paredes desenhavam
percursos quadráticos no infinito. Quinas aos milhares. Ela deixou de dar
passos por aqueles corredores inebriantes. Sentou no chão e principiou a
cantarolar. Estratégia para não pensar. Em vão. Mesmo assim os pensamentos a
consumiam. Desesperou-se. Levantou e começou a correr. Batia seu corpo contra
as paredes, o que provocava nela uma dor aguda. Essa asfixia que a torturava na
tentativa de deixar de pensar, não se equiparava à dor física. Intencionava
esvaziar-se em pensamento, mas nada, não conseguia. Ouvia as paredes
despencarem ensurdecedoramente. Desnorteou-se. Iniciou um soluçar sem fim. A
tormenta foi transformada em calmaria pelo cansaço. Viu de forma clara,
naquelas brechas de consciência que ocorrem em instantes raros: a prisão era a
de dentro, não a de fora.
A prosa e o verso compõem-se de palavras dispostas feito as pedras de um mosaico e o colorido quem dá somos nós: eu, ao tropeçar pintando as pedras-palavras e você, ao caminhar por entre elas recolorindo-as.
quinta-feira, 26 de abril de 2012
segunda-feira, 16 de abril de 2012
T de toda tua
Tombaste no tango.
Troça fiz de teu estabaco.
Tu te fizeste de trouxa.
Eu me pus como tarântula a tropeçar
em tua tez.
Torta e vinho tinto me ofereceste.
Tortilla, tacos e travessuras eu te
ofertei.
Tramamos muitas tonterias por túneis
translúcidos.
Construímos um telhado para alimentarmos
tempos sem tique-taque.
A teia foi se tecendo em telecotecos pouco
trabalhosos.
Em minhas tagarelices tresloucadas
te puseste a rir.
Em teus tiques me pus a te admirar.
Todos os traços de nossos corpos
foram tateados.
Nesta teimosia de nos atarmos
Persistimos transitando pelas tortuosas
linhas desta travessia.
terça-feira, 10 de abril de 2012
Personagens
Em sinapses, encontro todos eles.
Compõem-se passo ante passo.
Desembrulham-se em verbos,
Sentem em adjetivos,
Nomeiam-se em substantivos.
Ativam suas profundezas nos murmúrios do mostruário de memórias imaginadas.
São pedaços colhidos ali e aqui.
De vocês, de mim.
No cenário construído, vão se amoldando em ação.
Nos diálogos e nos silêncios, encontramo-nos nus.
Podem empanturrarem-se ao comer.
De fome, definharem.
De fome, definharem.
Sofrerem na falta de amor compartilhado.
No desespero, alguns querem viajar sem volta.
Outros ficam e ralham.
São tímidos, desastrados, espalhafatosos.
São gotas que colorem o cinza dos dias.
Derramam seus catalizadores de cores, sentidos, formas sobre nós.
Cutucam-nos com provocações e questionamentos.
Cutucam-nos com provocações e questionamentos.
Desfazem-se em areia e se reconstroem em palacetes.
Trazem consigo a noz do que somos
E sabem que com eles não estaremos sós.
domingo, 8 de abril de 2012
Causo de menino
Sugou muitas
frutas em cima da árvore do Nonato sem dizer palavra. Foi-se embora correndo
com ares de novidade. Desembaraçou os cadarços do calçado para sujarem pelo caminho e poder tropeçar. Toda vez que pisava no cordão do tênis caia no chão e
ria por minutos. Levantava e seguia em frente. Assim que chegou à Padoca, pediu
um pão de sal e o pendurou na conta do padrasto. Perguntou ao Genival, que estava
no caixa:
- Onde estão
os cacos do vidro do prato que deixei cair outro dia e pedi que guardassem? Quero fazer lembrança.
Os clientes se
entreolharam sem compreenderem o menino. Praticamente todos pensaram que o guri
nasceu sem parafuso. Fazer lembrança de caco de vidro? Já o dono da padaria, em
silêncio, foi até a cozinha, pegou um saco cheio de cacos coloridos e deu ao
menino. O garoto agradeceu, amarrou os cadarços, porque não queria ter trabalho
de juntar os pedaços de vidro se caísse e despejasse os caquinhos pelo chão. Pôs-se
a correr o mais veloz que podia. Quando alcançou o córrego, viu os peixes
nadarem na água transparente.
O guri então tirou
a roupa, pegou o saco estufado de cacos, uniu-os no fundo do riacho de modo a
ilustrar uma serpente. Assim que concluiu o desenho, esperou anoitecer. A lua e
o céu estrelado iluminavam o riacho e faziam com que a serpente de vidro brilhasse. No
decorrer dos dias, a população do vilarejo vendo aquela imagem começou a
desenvolver a lenda do riacho da serpente-diamante, que brilhava nas noites estreladas. A lenda correu os anos, os cacos de vidro em forma de serpente,
com a correnteza, já tinham até se desmanchado no fundo do córrego. Mas a
história persistia a povoar o imaginário popular.
Ali estava a
lembrança construída pelo guri.
domingo, 1 de abril de 2012
Mentira que não dói se acomoda
Pobre da bichinha, tá
tão magrinha.
Mimada e mimosa, ela sempre
foi.
Agora deu pra
carrancuda.
Deixou de estirar
simplicidade.
Passou a saracotear
por aí.
Cascudos, a menina tomou.
Mesmo assim,
desenrolou-se.
Parou de ser anjo de
candura, coração de rapadura.
Nublou-se pros olhos de quem não queria ver sua fantasia.
O ponteiro do tempo
caminhou.
De miúda se pôs graúda.
Hoje cá ela está.
Nariguda, beiçuda,
bochechuda, toda uda.
Cheia de infância e
olhos carregados de histórias.
Assinar:
Postagens (Atom)